Sunday, August 15, 2010

Entrevista exclusiva a Helena Fonseca - jornalista TVI

(HELENA FONSECA EM DIRECTO)

1) A Helena desde sempre quis ser jornalista. Houve algum motivo especial para esta escolha ou foi mesmo a entrega à profissão?

Comecei a sonhar ser jornalista aos 12 anos, andava no 8º ano. Mas quis ser jornalista de televisão especificamente. A minha professora de Português organizava muitos trabalhos a par ou em grupo. O primeiro desse ano era sobre o artesanato. Fiz com uma amiga minha e tivemos a ideia de entrevistar um artesão de Avintes, em Gaia, que fazia peças em barro extraordinárias. Ambas tínhamos máquinas de filmar em casa, amadoras evidentemente, e realizámos todo o trabalho em vídeo. No final, eu fiz mesmo sozinha uma pequena montagem com um aparelho que o meu pai tinha em casa e que dava para pôr música nos vídeos. Começava com Vangelis e terminava com “A Pronúncia do Norte”, dos GNR. Ficou muito giro! E esse foi só o primeiro. Gostei tanto de fazer trabalhos de reportagem em vídeo que passei a usar sempre esse formato, mesmo noutras disciplinas. E o sonho foi crescendo, cada vez mais maduro…

2) Durante a sua infância quem foram os profissionais de rádio e televisão que mais a marcaram e porquê?

Na minha infância, ainda só sonhava em ser veterinária, só me recordo bem da Manuela Moura Guedes a apresentar o jornal à noite. Via as notícias sempre com os meus avós, na nossa acolhedora sala de estar. Mais tarde, a abertura da SIC com o Emídio Rangel deu um abanão à televisão em Portugal e mesmo à forma de se fazer jornalismo televisivo. Nessa altura, gostava sobretudo do Miguel Sousa Tavares e da Margarida Marante, que faziam programas de debate juntos, (cheguei mesmo a escrever-lhes a pedir conselhos para chegar a jornalista de tv e eles responderam-me) e dos pivots Alberta Marques Fernandes e José Alberto Carvalho. Foram os nomes que me ficaram.

3) Licencia-se em 2003 em Ciências da Comunicação no Porto. Acredita que a vida académica é essencial na construção da sua profissão ou é um pilar que vem reforçar o trabalho em campo?

É um pilar que nos permite, sobretudo, ficar com uma maior cultura geral e que nos permite ter as habilitações académicas que hoje em dia são pedidas. Mas é assim não há muitos anos. Tenho colegas de profissão que nunca frequentaram o ensino superior e não são piores profissionais por isso, nem pouco mais ou menos. Os estudantes de hoje devem ter a noção de que, em jornalismo e dadas as dificuldades do mercado de trabalho, distingue-se quem tem melhor C.V., maior experiência e seja melhor profissional. É bom que se tirem boas notas para conseguir os estágios que algumas faculdades promovem com as próprias empresas, isso é bom. Mas, durante o curso, aconselho os estudantes de jornalismo a realizar trabalhos na área, mesmo com os melhores órgãos de comunicação social. Podem escrever reportagens, fazer, por exemplo, uma entrevista a alguém importante e oferecerem-na, mesmo que a custo zero, a um jornal nacional ou a uma revista. É importante é ser-se expedito e marcar a diferença. Cada passo desses enriquece logo o C.V. As notas académicas nem tanto.

4) Imaginamos a adrenalina dentro de uma redacção. A que horas começa e acaba um dia normal de trabalho para a Helena?

Um jornalista não pode, por norma, contar com uma hora certa de saída. A notícia não tem horas para acontecer e nós queremos é estar onde está a notícia, não é? Isso esbarra quase sempre com a vida pessoal de cada um, mas há que ir estabelecendo prioridades ao longo do tempo. Na TVI, como em quase todas as redacções, há horários rotativos semanalmente. Tanto posso estar fazer manhã-tarde hoje, como para a semana fazer tarde-noite. Depois, a adrenalina vem com a própria notícia. Quando há mais trabalho, trabalho com maior acção, a adrenalina aumenta.

5) Sente que todos os dias tem mais a aprender com os seus colegas há mais tempo no jornalismo?

Sinto que todos os dias temos alguma coisa a aprender, sempre, desde que haja espírito aberto para isso mesmo. Nesta profissão é muito rápida a ascensão, quando fazemos mais directos, quando damos mais vezes a cara por notícias importantes e o trabalho nos corre bem. Mas depois deparamo-nos com um período que nos soa a estagnação se não fizermos nada para o contrariar. Temos sempre que fazer coisas novas, procurar evoluir. Se chegar o dia em que eu achar que já sei tudo, que não tenho mais nada a aprender, nesse momento despeço-me e mudo de profissão. Por outro lado, sou da opinião que só temos a aprender com colegas que sejam para nós uma referência profissional. Não tem que ser necessariamente uma pessoa que trabalhe há mais tempo no jornalismo. Deve é ser uma pessoa com alguma experiência, cuja forma de trabalhar nos agrade particularmente.

6) Até hoje qual foi a peça, reportagem, que a mais marcou pela positiva? Porquê?

Em 6 anos e meio de jornalismo, já tive alguns trabalhos que me deram uma grande realização. Mas do que gostei mais, que não é uma só reportagem, foi de ter acompanhado todo o processo “Apito Dourado”, em Gondomar. Gosto especialmente de trabalhos de justiça. Descobri esse gosto com o “Saco Azul” de Felgueiras. O julgamento do “Apito Dourado” acompanhei-o a par e passo: directos e reportagens todos os dias. Tive de estudar imenso todo o processo, tirar dúvidas com advogados e funcionários judiciais. Era um processo complicado e com uma acusação com 400 páginas, que envolvia figuras com destaque no desporto. Desde a primeira audiência até ao dia do Acórdão, vivi dias de grande realização profissional. Dias em que chegava a casa cansada, mas com a certeza que fiz o trabalho que mais gosto e fi-lo bem feito.

7) Pelo contrário, qual foi o directo, por exemplo que mais embaraço lhe causou (situação anormal), que ainda hoje recorde?

Curiosamente, foi também num tribunal. Trabalhava há pouco tempo, não tinha experiência de tribunais nem dominava a linguagem judicial e chamaram-me às 7 da manhã para fazer directos do Tribunal de Menores e Família do Porto. Iam ser presentes a um juiz os menores acusados de homicídio no caso Gisberta. Eu não fazia ideia, por exemplo, que sendo menores não lhes são aplicadas medidas de coação mas sim medidas cautelares. Não tinha tido tempo de estudar o processo, de preparar-me minimamente… Valeu-me a minha forma de estar em frente à câmara… estava nervosíssima, muito insegura porque tinha consciência que não estava preparada, mas passava uma imagem de segurança. Isso em televisão é uma grande mais-valia, porque, se eu souber muito sobre determinado caso e não o conseguir transmitir da melhor forma, a mensagem não passa e a comunicação não acontece.
(AINDA NO INÍCIO DA SUA CARREIRA)

8) Lembra-se do seu primeiro directo? Que misto de sensações a rodearam naquele momento?

Lembro-me como se fosse hoje! Era um tema descontraído, quando os adeptos do F.C.P. se preparavam para fazer a viagem de camioneta para a Alemanha para ver a equipa conquistar a liga dos Campeões. Eram 9 da manhã. Eu ia fazer o meu primeiro directo e era tudo novidade, até o aparelho, a escuta, que temos que colocar para ouvirmos a emissão…! Mas correu bem. Tive o apoio do Henrique Garcia e da Júlia Pinheiro, na altura, os apresentadores do Diário da Manhã. Eles descontraíram-me. E, mais uma vez, estava nervosa porque sentia a dobrar o peso da responsabilidade, mas disfarcei bem!  No final de cada directo, sentia o corpo a cair de uma forma brutal.com o tempo, percebi que era a adrenalina a descer. Mas, quando se gosta, os directos viciam e hoje é do que sinto mais falta, porque já não faço tantos.

9) Li numa entrevista que a Helena gostaria de se especializar em política. O debate político sempre a fascinou, o que a leva para essa área?

Gosto muito de Política. Gosto especialmente daquele desafio de, em reportagem, conseguir descodificar os mitos políticos, “brincar” com os temas. Para mim, é a área com mais potencial para se fazer notícia e que não é aproveitada da melhor maneira. Se pensarmos bem, qualquer tema forte da sociedade serve para fazer uma reportagem, uma entrevista com um político. Quer do Governo quer da oposição ou, por exemplo, de uma autarquia. Qualquer desses bons temas presta-se a provocar uma resposta de um ministro, de um responsável pela nação que tem que prestar contas ao país. E, se falarmos de Assembleia da República, aí, então, há bons motivos para reportagem todos os dias. É um grande desafio saber como explicar a política que é praticada ao grande público.

10) O jornalista é também aquele que viaja muito, quiçá, até para fora do País à procura da notícia. Quais foram os países que já visitou, enquanto profissional de jornalismo?

Estive já por 2 vezes em Barcelona, em diferentes trabalhos. A Paris já fui umas 7 ou 8 vezes, um verdadeiro corre-corre! Estive ainda em Istanbul, em S.Paulo e em Dresden, na Alemanha.

11) Sabemos que para o jornalista o seu código deontológico é uma espécie de bíblia sagrada. Agora pergunto Helena, acredita que a maioria das notícias que são levadas até nós, público, têm na base esse mesmo código? Não acha que chegamos ao ponto, de que «o que importa é vender»?

Isso parte de cada profissional e de cada órgão de comunicação. Há uma linha, cada vez mais ténue entre conseguir prender a atenção do espectador e entre as sensações que podemos criar no espectador para mais gente ter curiosidade na reportagem e vender mais. Por vezes até me acho demasiado fundamentalista, mas com o tempo percebo que, trabalhando numa empresa privada, há que tentar conjugar da melhor forma esses dois objectivos: preocupo-me em ser correcta nas informações que passo e, ao mesmo tempo, também quero que a reportagem tenha muita audiência. É perfeitamente conciliável. Mas há, de facto, quem queira apenas vender e não se preocupe com o rigor dos dados e, na reportagem, dê mais ênfase a aspectos menos importantes da notícia mas que provocam mais as tais sensações no espectador. Um jornalista deve, quanto a mim, respeitar as principais regras do código deontológico, especialmente porque tem a imensa responsabilidade de transmitir mensagens para as massas e para as minorias, mas o espectador, as pessoas individualmente têm que começar a tornar-se mais activas nesse processo. Têm que saber pensar nas mensagens que recebem dos media e não absorver tudo o que lhes é dado. Claro que, no jornalismo, como em todas as áreas, há sempre quem se aproveite das fragilidades do receptor em benefício próprio.

12) Nos últimos tempos tem-se vindo a assistir a um certo atrito entre jornalistas e políticos. Porque será na sua óptica, que isso acontece?

Acontece porque, finalmente, o jornalismo começa a ter menos medo da política. É como eu dizia há pouco, só não se “brinca” mais com a política e com os políticos porque há uma certa inibição, uma sensação de hierarquia que, na nossa profissão, não deve existir como enquanto cidadãos comuns. [Convém explicar que quando falo em “brincar”, refiro-me por exemplo a um registo de reportagem mais irónico, que transmita as muitas incoerências que existem na nossa política de uma forma mais afirmativa e que provoque o espectador a pensar] O jornalista tem que encarar o político como aquele ou aquela que tem por obrigação governar e dar satisfações do que faz a quem o elegeu. Tem que interiorizar que esse é um poder muito útil à governação. Não digo que os jornalistas sejam fiscais dos políticos, mas podem questioná-los sempre que se justificar (e razões para isso infelizmente há muitas vezes) em nome de cada contribuinte. É a nossa função, fazer as perguntas para obter as respostas. Acho que a geração mais nova já está muito mais ciente disso e já não olha para os políticos só como “os senhores que mandam”. Felizmente.

13) Caso fosse convidada, aceitaria o convite para dar palestras ou quiçá leccionar alguma cadeira no curso de comunicação?



Desde que fosse conciliável com os meus 1500 projectos, tenho a certeza que sim!  Dei 3 aulas sobre jornalismo ao 8ºano e confesso que adorei a experiência. Acho que, quando gosto verdadeiramente do que falo, consigo transmitir a minha mensagem. Ao princípio tive receio de não conseguir captar a atenção de uma turma de 30 adolescentes, mas, quando percebi que ficaram todos caladinhos a ouvir-me, fiquei muito contente.
14) Para terminar esta entrevista, que balanço faz da sua carreira, enquanto jornalista, ao longo destes 7 anos?

Quase 7 anos… Passou muito rápido, essa é a verdade! Como comecei a trabalhar permanente em directos e sempre de manhã, que é quando é mais difícil porque a informação, de forma geral, é muito escassa, e estive nessa situação durante 5 anos, consegui ganhar muita experiência com a câmara… temos uma óptima relação!  trabalhava a um ritmo alucinante, horas a fio, mas há uma altura em que o corpo começa a dar avisos que não pode ser assim. Desde que deixei as manhãs da TVI, tenho uma vida mais normal. Não faço directos todos os dias, é certo, mas tenho tempo para procurar as minhas histórias, fazer mais trabalho de informação ainda que, por questões de agenda, não seja muito fácil. Tento conciliar as notícias do dia-a-dia ditas obrigatórias com as reportagens exclusivas que consigo através do trabalho com as fontes. Mas como desacelerei o passo, também começo a sentir necessidade de aprender mais qualquer coisa… quiçá tirar Direito, já que gosto tanto de tribunais!