Tuesday, February 15, 2011

Mohamed Reza Pahlavi, a "Espada do Ocidente"



Os recentes acontecimentos em Teerão, poderão fazer voltar uma página obscura da história deste grande país que a par da China e do Egipto, é o último sobrevivente da Antiguidade. As constantes declarações e luta de Reza Ciro Pahlavi, são de molde a criar as mais benévolas expectativas acerca da possibilidade de uma transição do Irão, na direcção de um sistema mais aberto e consentâneo com o seu estatuto na cena internacional.

Mas afinal, que país é este que nos entra casa adentro à hora dos noticiários?

Recordo-me como se hoje fosse, de ver entrar no porto de Lourenço Marques, em Moçambique, os grandes petroleiros que desobedecendo ao embargo imposto pela ONU e muitos dos nossos aliados oficiais - EUA, Holanda, Suécia, Dinamarca, Noruega, por exemplo -, vinham reabastecer os depósitos de crude da refinaria da Sonarep (1) na Matola. As chaminés ostentavam invariavelmente as cores persas e o leão coroado, símbolo do velho império de Ciro que sobrevivera a invasões, períodos de ocaso e de ameaça de colonização.

O Xá Mohamed Reza Pahlevi foi um homem esclarecido e tendo convivido com algumas gerações de políticos de renome mundial, conhecia bem a importância da presença portuguesa em África, procedendo em conformidade com as mais estritas regras da diplomacia internacional. A voz do Irão na ONU, nem sempre condizia com os factos da normal e dura realidade material das coisas. Nele, Portugal sempre teve um amigo. Tornando-se imperador em 1941 por imposição dos Aliados, Mohamed Reza Pahlevi teve de se conformar com a invasão e ocupação do seu país por russos e ingleses (2), conscientes da importância estratégica do Irão e da imperiosa necessidade de controle das jazidas petrolíferas do Golfo Pérsico. Na Conferência de Teerão, um arrogante Winston Churchill dizia-lhe que ..."pode Vossa Majestade chamar Irão ao seu país, que para mim, que não me atemorizo, será sempre a Pérsia"... O nome do antigo império de Ciro e de Xerxes era assim indelevelmente conotado com a submissão a um Ocidente que o não anexara ou desfizera, por mera necessidade da existência de um Estado tampão que mitigasse as fricções entre os expansionismos britânico, russo ou otomano. Assim, o Irão - nome pelo qual internamente sempre foi chamado - surge como uma necessidade de afirmação de independência, um projecto do novo regime que desde a deposição dos Qadjars, via no modelo kemalista, a única solução para a modernização. Desde sempre, a progressiva laicização do Estado esteve na mente do Xá que via no clero xiita o maior obstáculo ao profundo atraso material e intelectual da sociedade. Aos vinte e um anos de idade, educadamente conseguiu resistir aos perigosos avanços de um José Estaline que tinha pelos xás persas uma obsessão muito própria das gentes oriundas dos confins do Cáucaso. Com sorrisos e brindes, Mohamed Reza declinou todas as ofertas de "assistência" soviética, estando bem informado acerca da natureza despótica do regime de Moscovo e dos verdadeiros desígnios de expansão da URSS em direcção aos mares quentes do sul, tal como Hitler propusera em 1940 a um renitente Molotov.

A Guerra Fria e os episódios decorrentes do início do desmembramento dos Impérios coloniais no Médio Oriente, tornou o Irão num essencial peão em disputa pelos blocos, mas tendo o Xá uma formação solidamente enraizada na cultura ocidental, os EUA e os seus aliados puderam estreitar as relações com Teerão que surgia como no elo essencial e no obstáculo à tendência de infiltração soviética plasmada já no Cairo nasserista e na instabilidade síria e jordana.

No plano interno, Mohamed Reza Pahlevi procedeu a importantíssimas reformas que apenas hoje são devidamente consideradas como fundamentais a qualquer sociedade moderna. O direito de voto e de profissão às mulheres, a escolaridade obrigatória e laica para todos, uma vasta reforma agrária feita com o património dos bens da Coroa, a criação de Academias, universidades e a abertura do país a manifestações artísticas livres das peias do rígido cânone há séculos imposto pelos mullahs, transformaram rapidamente a sociedade. Em Teerão as mulheres vestiam-se desinibidamente à ocidental, frequentavam o cinema, as piscinas, o ginásio e finalmente ingressavam no mercado do trabalho, ombro a ombro com os homens, até então senhores absolutos da ordem social. A coroação de Farah Diba, episódio ímpar na milenar história iraniana, simbolizava a igualdade da mulher aos olhos da Lei, um inequívoco sinal emancipador que profundamente desagradou ao clero. O nível de alfabetização cresceu exponencialmente e o Estado criou bolsas de estudos no estrangeiro, contribuindo para a aproximação de uma ampla camada de estudantes ao conhecimento das novas tecnologias vitais ao desenvolvimento do país. Por Teerão passavam as mais conceituadas companhias de ópera e de ballet, testemunhando uma abertura sem precedentes ao exterior.

As receitas do petróleo permitiram a rápida transformação do Irão naquilo a que a imprensa ocidental chamava de policia do Golfo, região profundamente desestabilizada pelas constantes guerras que desde 1947 opunham Israel e os seus vizinhos árabes, a maior parte destes sob forte influência russa. O exército do Xá era moderno, numeroso e bem armado, sendo um intransponível obstáculo aos aventureiros que se iam sucedendo em Damasco ou Bagdade e tranquilizando a Europa e a América com um constante afluxo de ouro negro que propiciou o boom económico das décadas de 50, 60 e 70. Mas o progressivo desejo de autonomia do regime do Xá em relação à estratégia de Washington e do aliado israelita, seria afinal a principal causa da sua queda. Muitos há que argumentam com o papel desempenhado por uma fortemente repressiva Savak, uma policia política incomparavelmente menos interventiva e mortífera que as suas congéneres nos países vizinhos, URSS incluída. Explica-se assim a revolução de 1979, com argumentos de ordem interna, mas quando o Xá decidiu controlar efectivamente a produção de crude iraniano e em consequência impôs preços lesivos dos lucros auferidos pelas grandes empresas petrolíferas americanas e inglesas, selou o seu destino. A teoria da conspiração surge com nítidos contornos multinacionais, quando os interesses franceses conduziram Paris a uma escandalosa protecção à subversão a partir do território da França, onde Khomeini fora recebido como exilado político. As veleidades de independência total da pesada presença americana, custar-lhe-iam o trono e impor-lhe-iam o caminho do exílio.
Aos iranianos, essa traição consumada pela nefasta administração Carter, impeliria milhões para o turbilhão sanguinário do komeinismo, com o seu trágico cortejo de guerras santas, esmagamento da condição feminina, estilhaçar do sistema educativo, genocídio, atraso económico e inimaginável corrupção. Para o mundo, a queda do Xá significou um marco orientador para novos e conturbados tempos, onde o direito internacional e das gentes pouco vale, calcado pelos pés dos loucos iluminados por um enigmático, impiedoso, vingativo mas discutível deus.

No fim anunciado do regime dos mullahs, Mohamed Reza Pahlevi foi sem qualquer dúvida, um dos grandes homens do século XX. A História far-lhe-á justiça.

(1) A antecessora da actual Galp

(2) No seguimento dos acontecimentos de Bagdade e da consequente deposição de Rachid Ali, russos e ingleses forçaram a abdicação de Reza I, pai de Mohamed, obrigando-o a exilar-se na África do Sul. Apontavam-se-lhe sentimentos pró-germânicos, mas a veridade da situação apontava para uma realidade bastante diferente: o velho fundador da dinastia Pahlevi, não mostrava grande interesse na submissão que os Aliados desejavam e à qual se habituaram durante o Império dos Qadjar. Churchill e Estaline julgaram mal a personalidade do jovem sucessor Mohamed Reza, que desde cedo mostrou as suas capacidades de intervenção e de resistência.