Sunday, November 28, 2010

À CONVERSA COM RICARDO PINTO: ENTREVISTA EXCLUSIVA AO JORNALISTA JOSÉ MANUEL FERNANDES.

1) José Manuel Fernandes com que idade e em que circunstâncias surge a sua ligação ao jornalismo?
Surge em 1976, com 19 anos. Tinha de começar a trabalhar (já estava casado) e surgiu uma oportunidade num jornal. Aproveitei e, depois, nunca mais larguei.

2) Em 1976 matriculou-se em Medicina, que logo trocaria pela Biologia, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Que aventura foi esta? Perdeu-se um grande médico, ganhou-se um grande jornalista!?
Matriculei-me em Medicina ainda em 1975, mas nem completei um semestre. Senti que não tinha vocação. Quando voltei a estudar, após um atribulado processo de transferência, escolhi Biologia. De certa forma, era o que sempre tinha querido estudar.

3) Se não fosse jornalista o que se via a fazer, profissionalmente?
Quando optei por Biologia pensava vir a ser investigador. Sempre me fascinou a descoberta científica.

4) Onde é que se licenciou em jornalismo?
Nunca me licenciei em jornalismo. Quando estudei nem sequer havia licenciaturas em comunicação social.

5) Cada vez mais se fala do jornalismo enquanto um 4.º Poder que funciona em simultâneo como contra-poder. Acha que o jornalismo deve assumir essa mesma função?
Acho que o jornalismo deve funcionar como um contra-peso que limita o poder executivo ao permitir que os cidadãos estejam informados, questionem as políticas e pensem pelas suas cabeças. Tem também uma função de vigilância democrática, de "watchdog". Não acho que deva assumir-se como um poder autónomo.

6) Como é que vê a evolução do jornalismo sobretudo ao longo das últimas décadas em Portugal?
A evolução do jornalismo em Portugal no pós-25 de Abril foi muito positiva e teve, porventura, o seu melhor período durante a década de 1990. Nos últimos anos tem sofrido muito com a crise económica e a redução do tamanho das redacções.

7) A informação isenta e objectiva são características pelas quais o bom jornalismo deve primar, no entanto não considera que «por mais que se procure esse distanciamento, a personalidade do jornalista, o seu pensamento» acabam muitas vezes por demarcar determinadas posições?
Sem dúvida. O jornalista deve procurar ser isento tendo a noção de que, como qualquer ser humano, o seu olhar é necessariamente subjectivo. É melhor assumir que há sempre subjectividade do que fingir que se é imaculadamente puro, pois essa condição não existe.

8) A relação entre o político e o jornalista são vincadas de um misto de ambivalências. O político precisa do jornalista para transmitir as suas ideias, opiniões e o jornalista precisa dele para informar o cidadão. Não obstante quando o jornalista entra em campos de investigação com os quais o político não concorda gerasse muitas vezes um clima de tensão. Como é que vê na actualidade esta relação?
Não acho que a tensão actual seja muito diferente do que foi no passado e será no futuro. O político procura e procurará sempre formatar a informação de acordo com as suas conveniências, os jornalistas devem procurar toda a informação relevante para os cidadãos. Estes dois conjuntos nem sempre coincidem, pelo que é positivo estar consciente dessa tensão.

9) O José Manuel tem vindo a participar ultimamente em debates televisivos. A questão que lhe coloco é: não será para um jornalista muito mais difícil assumir o lado de «entrevistado» do que entrevistador, uma vez que a partir daí entramos no domínio da opinião subjectiva?
Quando participo em debates e quando dou opinião faço-o enquanto cidadão informado que tem a profissão de jornalista. Ou, se preferir, enquanto jornalista de opinião, que é um domínio da actividade que tem também toda a legitimidade.

10) Como é que vê o Jornal Público na actualidade?
Como o jornal onde trabalhei 20 anos e onde hoje continuo a colaborar.

11) Qual é a sua opinião relativamente ao final do Jornal Nacional de 6, apresentado por Manuela Moura Guedes. Acredita na tese que o poder político acabou por extingui-lo?
Não é preciso concordar com o que se faz num órgão de informação para defender que, em nome do pluralismo, ele deve existir desde que tenha público. O Jornal Nacional de 6 tinha público (registava boas audiências), pelo que não foi por desinteresse dos telespectadores que acabou. De resto não tenho qualquer dúvida que as pressões do poder político não se limitaram a um ataque do José Sócrates na abertura de um congresso do PS: foram mais profundas, mais dissimuladas e, por fim, mais efectivas.

12) Falou-se aqui há tempos atrás do programa «Prós e contras» em que participou e o tema estava relacionado com o processo Casa Pia, onde aliás, Carlos Cruz esteve presente. Agradou-lhe a forma como o programa foi conduzido, é que a determinado momento, à maioria do público a ideia que se passou era que a grande vítima ali presente, era Carlos Cruz!?
Não gostei nada da forma como o programa foi conduzido. Mesmo nada. Tentei contrariar alguma coisa, mas era difícil.

13) Cada vez mais se fala que é inevitável a vinda do FMI a Portugal. Acredita que essa seria uma boa solução para actual conjuntura do país?
Portugal vai ter de fazer muito mais reformas do que as que já estão em curso. Se não as conseguirmos fazer sozinhos - e não estamos a conseguir -, que venha o FMI o mais depressa possível.

14) Como é que reagiu à entrevista ao jornal francês Liberation de Dezembro de 2007 de José Sócrates, onde este o classificou como sendo o seu "melhor inimigo"?
Como sendo um sinal da obsessão que Sócrates tem com a sua imagem e da forma como lida mal com a crítica e, sobretudo, com a liberdade de imprensa. Achei que revelava uma mentalidade doentia.

15) Acredita que o seu poder reivindicativo oriundo desde os tempos MAEESL - Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa ou do primeiro secretariado da União de Estudantes Comunistas (Marxista-Leninista) possa ter marcado definidamente as suas ideologias políticas, marcando profundamente o seu tipo de jornalismo interventivo?
Não tenho dúvida que a minha experiência de vida, nomeadamente nesses anos, marcou muito o que sou. Nunca fui conformista, sempre corri alguns riscos, nunca gostei de ser um "yes men" e sempre procurei pensar pela minha cabeça. Para além disso nunca fui indiferente ao destino da sociedade, pelo que ser interventivo é, para mim, a forma mais natural de estar na vida.

16) Para terminar, qual acredita ser a situação política deste país. Novas eleições em 2011?
Muito provavelmente. E era melhor que assim fosse: tal como estamos não vamos a lado nenhum. Os agentes políticos necessitam de se relegitimar e o país precisa, depois, de que tenham o sentido de Estado para um acordo a médio prazo.