... Este artigo do Economist, é um clássico da lenda e narrativa do preconceito arreigadamente presente nas mentes dos ocidentais. Os argumentos são velhos de duzentos anos e até o guião é tradicional, não faltando qualquer dos elementos que compõem uma típica tragédia monárquica, tão ao gosto dos libertadores corta-cabeças do ocaso setecentista. Existe um rei que vê aproximar-se o fim dos seus dias de vida, uma rainha obviamente má e manipuladora, um príncipe herdeiro D. Juan e desinteressado, uma princesa querida pelo povo mas fraca e uma corte esbanjadora. Como contraponto, temos um povo que é massacrado nas ruas e serve de carne para canhão da bestialidade policial e militar. Os ricos de um lado e os pobres, do outro, como se tenta fazer crer.
O longo reinado de Rama IX é passado a vol de l'oiseau, condescendendo o "analista" em apontar as inegáveis qualidades humanas do monarca, para logo o ir manchando com meras suposições - sem que uma só atitude pública ou prova lhe seja apontada -, transformando-o ao longo dos parágrafos, no homem que tem presa por fios, toda uma sociedade de fantoches que representam um papel previsto pelo guião dos Chakri. Patético.
Outra das superstições habituais neste tipo de considerandos acerca de um dado monarca reinante, é o problema da longevidade. Ao longo da História, reis ou imperadores que tenham atingido provecta idade, ganharam uma aura quase sobrenatural entre as populações e o seu previsível desaparecimento era encarado com receosa expectativa, significando para muitos, um certo fim do mundo: tal se passou com Luís XIV, com D. João V ou com a rainha Vitória, afinal normalmente sucedidos pelos legítimos herdeiros presuntivos, com plena aceitação das comunidades. Este facto da cada vez maior longevidade dos monarcas, acompanha a evolução da própria humanidade e exemplos como os de Isabel II, Bhumibol ou Hiro-Hito, serão a regra e não a execepção. Nada que o Economist e os seus articulistas encomendados não consigam compreender, mas que surge como nebulosa possibilidade de infundada implosão de um regime ou do país inteiro. Ridículo e infantil.
Além do descarado ataque dos interesses inconfessáveis à monarquia, o que o articulista do Economist pretende sonegar deliberadamente, é a verdadeira causa de todo o mal estar social que o senhor Thaksin Shinawatra provocou, com os seus delírios populistas de um exacerbado e orgulhosamente assumido caciquismo. Nem uma palavra quanto à autoria de mando dos tais massacres no sul, executados contra gentes muçulmanas, nem consta uma única linha acerca das fraudes, destruição do tecido empresarial do Estado em proveito da sua clientela e corrupção activa do próprio e da sua família.
De facto, as manifestações do PAD são compostas por uma vastíssima coligação de pessoas das mais diversas origens e não é exacto afirmar-se a exclusiva componente urbana. Os muçulmanos perseguidos brutalmente por Thaksin, encontram-se em elevadíssimo número nas hostes realistas, plenamente cientes do papel tradicionalmente protector que a Coroa tem oferecido aos vários grupos religiosos do reino. A reacção aos ímpetos de Thaksin, emulam aquelas ocorridas um pouco por toda esta região da Ásia, desde a própria Malásia, à Indonésia ou Filipinas, onde o elemento chinês é preponderante nos grandes grupos financeiros, nos chamados "negócios". Habituados a um Estado protector, os tailandeses não parecem muito interessados nas delícias prometidas por um certo capitalismo que lhes fecha ou destrói os lugares de trabalho e impõe como condição para o progresso, a rejeição da própria identidade nacional, onde a forma de organização social, a religião e um certo nacionalismo - como o Japão insiste em manter - mantém a coesão do todo. E assim, não nos podemos admirar por ver lado a lado industriais, monges, sindicalistas, estudantes e trabalhadores do terciário. É esta aliança dos mais esclarecidos e menos permeáveis à grosseira manipulação caciquista, que sai teimosamente à rua e reivindica o direito de resistência à liquidação do modelo histórico sobre o qual assenta a sociedade do antigo Sião. Para um americano ou europeu, torna-se impossível a aceitação ou compreensão de usos ancestrais e das formas de organização que são diversas das suas próprias. Qualquer presidente de uma república de quarta categoria como a portuguesa, tem mais poder real que aqueles que a Constituição tailandesa reserva ao monarca. O que os analistas estrangeiros teimam em não querer ver - é tão fácil lobrigar a evidência -, é o papel fundamental e unificador da instituição, garantindo a unidade do Estado que é formado por regiões onde as tradições são específicas de cada uma delas e que ao longo dos séculos foram criando laços institucionais - onde o budismo teve um papel fundamental - que vieram a conformar o Sião como entidade Nação. Thaksin nem sequer era o chefe de um partido esmagadoramente maioritário, pois a oposição obteve uma votação aproximada daquela obtida pelo partido do primeiro-ministro. O aliciante móbil da sua acção consistiu na promessa - que disso não passou, pois durante o seu governo assistiu-se a uma corrida aos hospitais privados - de um alargado Estado-Previdência à semelhança do modelo que hoje a Europa vai lentamente abandonando. O populismo descarado, a compra de votos e a inclusão do reino na esfera de influência dos grandes circuitos do capital internacional, assustaram uma população profundamente lealista e orgulhosa da particular e quiçá única história do país, que jamais tendo sido colonizado, soube acompanhar o progresso material do século XX e que hoje tem elevada taxa de crescimento económico. O analfabetismo desapareceu, a educação encontra-se generalizada e o reino construiu escolas, estradas, hospitais e todo o tipo de infraestruturas próprias de uma sociedade onde a industrialização é patente e impõe a própria capital, Bangkok, como importante ponto económico regional.
O país progrediu e muito. Se compararmos a Tailândia com os demais vizinhos, a instabilidade constitucional e os golpes militares surgem como parte da normal vida política local, sem que por isso deixe de existir liberdade de expressão e uma imprensa que não encontra rival naquela parte do mundo. Existe total liberdade de circulação, igualdade de direitos e facto de fundamental importância, a separação de poderes. A Tailândia jamais assistiu à violência sobre populações, genocídios ideologicamente assumidos e brutais ditaduras que os seus vizinhos têm sofrido desde que acederam á independência: o Laos, o Camboja, o Vietname e a Birmânia, são chocantes exemplos que confirmam e ajudam a explicar a especificidade do modelo social, político e económico tailandês. O Economist pretende intoxicar a sua restrita e elitista opinião pública de leitores, com um tipo de julgamento ou considerações acerca de um particular sistema que finge não compreender. A desonestidade informativa é colossal, escamoteando o essencial papel reservado a umas forças armadas que durante décadas tiveram de enfrentar a subversão patrocinada por Pequim e Moscovo, ameaçando as permeáveis fronteiras do país. É esta indissolubilidade de vínculos entre a Coroa, as Forças Armadas, o budismo e as populações urbanas, o alvo preferencial daqueles que em qualquer coronel vêm um hipotético Pinochet e no monarca descobrem sempre um gene de Gengis Cão. Pelo contrário, Thaksin é tacitamente aceite como"um igual", o "homem do mundo empreendedor e dinâmico", "reformador de arcaísmos". Nada de novo, mas jargões bastante convenientes e sobejamente conhecidos no nosso próprio espaço geopolítico.
Este problema da informação que se encontra universalmente sequestrada por quem dela empresarialmente se apropriou, conduziu-nos ao actual estado de coisas, onde o simples decoro diante de uma opinião pública esmagada pela canga da excitação de um efémero consumismo de duas décadas, desapareceu, para dar lugar à descarada partilha de despojos, enriquecimento abusivo, quando não claríssimo roubo e esbulho do património comum. Os acontecimentos na Tailândia, talvez sejam um longínquo exemplo daquilo que os próximos anos reservarão à própria Europa. ..."
O longo reinado de Rama IX é passado a vol de l'oiseau, condescendendo o "analista" em apontar as inegáveis qualidades humanas do monarca, para logo o ir manchando com meras suposições - sem que uma só atitude pública ou prova lhe seja apontada -, transformando-o ao longo dos parágrafos, no homem que tem presa por fios, toda uma sociedade de fantoches que representam um papel previsto pelo guião dos Chakri. Patético.
Outra das superstições habituais neste tipo de considerandos acerca de um dado monarca reinante, é o problema da longevidade. Ao longo da História, reis ou imperadores que tenham atingido provecta idade, ganharam uma aura quase sobrenatural entre as populações e o seu previsível desaparecimento era encarado com receosa expectativa, significando para muitos, um certo fim do mundo: tal se passou com Luís XIV, com D. João V ou com a rainha Vitória, afinal normalmente sucedidos pelos legítimos herdeiros presuntivos, com plena aceitação das comunidades. Este facto da cada vez maior longevidade dos monarcas, acompanha a evolução da própria humanidade e exemplos como os de Isabel II, Bhumibol ou Hiro-Hito, serão a regra e não a execepção. Nada que o Economist e os seus articulistas encomendados não consigam compreender, mas que surge como nebulosa possibilidade de infundada implosão de um regime ou do país inteiro. Ridículo e infantil.
Além do descarado ataque dos interesses inconfessáveis à monarquia, o que o articulista do Economist pretende sonegar deliberadamente, é a verdadeira causa de todo o mal estar social que o senhor Thaksin Shinawatra provocou, com os seus delírios populistas de um exacerbado e orgulhosamente assumido caciquismo. Nem uma palavra quanto à autoria de mando dos tais massacres no sul, executados contra gentes muçulmanas, nem consta uma única linha acerca das fraudes, destruição do tecido empresarial do Estado em proveito da sua clientela e corrupção activa do próprio e da sua família.
De facto, as manifestações do PAD são compostas por uma vastíssima coligação de pessoas das mais diversas origens e não é exacto afirmar-se a exclusiva componente urbana. Os muçulmanos perseguidos brutalmente por Thaksin, encontram-se em elevadíssimo número nas hostes realistas, plenamente cientes do papel tradicionalmente protector que a Coroa tem oferecido aos vários grupos religiosos do reino. A reacção aos ímpetos de Thaksin, emulam aquelas ocorridas um pouco por toda esta região da Ásia, desde a própria Malásia, à Indonésia ou Filipinas, onde o elemento chinês é preponderante nos grandes grupos financeiros, nos chamados "negócios". Habituados a um Estado protector, os tailandeses não parecem muito interessados nas delícias prometidas por um certo capitalismo que lhes fecha ou destrói os lugares de trabalho e impõe como condição para o progresso, a rejeição da própria identidade nacional, onde a forma de organização social, a religião e um certo nacionalismo - como o Japão insiste em manter - mantém a coesão do todo. E assim, não nos podemos admirar por ver lado a lado industriais, monges, sindicalistas, estudantes e trabalhadores do terciário. É esta aliança dos mais esclarecidos e menos permeáveis à grosseira manipulação caciquista, que sai teimosamente à rua e reivindica o direito de resistência à liquidação do modelo histórico sobre o qual assenta a sociedade do antigo Sião. Para um americano ou europeu, torna-se impossível a aceitação ou compreensão de usos ancestrais e das formas de organização que são diversas das suas próprias. Qualquer presidente de uma república de quarta categoria como a portuguesa, tem mais poder real que aqueles que a Constituição tailandesa reserva ao monarca. O que os analistas estrangeiros teimam em não querer ver - é tão fácil lobrigar a evidência -, é o papel fundamental e unificador da instituição, garantindo a unidade do Estado que é formado por regiões onde as tradições são específicas de cada uma delas e que ao longo dos séculos foram criando laços institucionais - onde o budismo teve um papel fundamental - que vieram a conformar o Sião como entidade Nação. Thaksin nem sequer era o chefe de um partido esmagadoramente maioritário, pois a oposição obteve uma votação aproximada daquela obtida pelo partido do primeiro-ministro. O aliciante móbil da sua acção consistiu na promessa - que disso não passou, pois durante o seu governo assistiu-se a uma corrida aos hospitais privados - de um alargado Estado-Previdência à semelhança do modelo que hoje a Europa vai lentamente abandonando. O populismo descarado, a compra de votos e a inclusão do reino na esfera de influência dos grandes circuitos do capital internacional, assustaram uma população profundamente lealista e orgulhosa da particular e quiçá única história do país, que jamais tendo sido colonizado, soube acompanhar o progresso material do século XX e que hoje tem elevada taxa de crescimento económico. O analfabetismo desapareceu, a educação encontra-se generalizada e o reino construiu escolas, estradas, hospitais e todo o tipo de infraestruturas próprias de uma sociedade onde a industrialização é patente e impõe a própria capital, Bangkok, como importante ponto económico regional.
O país progrediu e muito. Se compararmos a Tailândia com os demais vizinhos, a instabilidade constitucional e os golpes militares surgem como parte da normal vida política local, sem que por isso deixe de existir liberdade de expressão e uma imprensa que não encontra rival naquela parte do mundo. Existe total liberdade de circulação, igualdade de direitos e facto de fundamental importância, a separação de poderes. A Tailândia jamais assistiu à violência sobre populações, genocídios ideologicamente assumidos e brutais ditaduras que os seus vizinhos têm sofrido desde que acederam á independência: o Laos, o Camboja, o Vietname e a Birmânia, são chocantes exemplos que confirmam e ajudam a explicar a especificidade do modelo social, político e económico tailandês. O Economist pretende intoxicar a sua restrita e elitista opinião pública de leitores, com um tipo de julgamento ou considerações acerca de um particular sistema que finge não compreender. A desonestidade informativa é colossal, escamoteando o essencial papel reservado a umas forças armadas que durante décadas tiveram de enfrentar a subversão patrocinada por Pequim e Moscovo, ameaçando as permeáveis fronteiras do país. É esta indissolubilidade de vínculos entre a Coroa, as Forças Armadas, o budismo e as populações urbanas, o alvo preferencial daqueles que em qualquer coronel vêm um hipotético Pinochet e no monarca descobrem sempre um gene de Gengis Cão. Pelo contrário, Thaksin é tacitamente aceite como"um igual", o "homem do mundo empreendedor e dinâmico", "reformador de arcaísmos". Nada de novo, mas jargões bastante convenientes e sobejamente conhecidos no nosso próprio espaço geopolítico.
Este problema da informação que se encontra universalmente sequestrada por quem dela empresarialmente se apropriou, conduziu-nos ao actual estado de coisas, onde o simples decoro diante de uma opinião pública esmagada pela canga da excitação de um efémero consumismo de duas décadas, desapareceu, para dar lugar à descarada partilha de despojos, enriquecimento abusivo, quando não claríssimo roubo e esbulho do património comum. Os acontecimentos na Tailândia, talvez sejam um longínquo exemplo daquilo que os próximos anos reservarão à própria Europa. ..."
F-se! É para ler 2x y ir lendo o Nuno, sempre!