Caro leitor socialista, eu sou por tudo o que levante Portugal, por tudo quanto lhe restitua o amor-próprio, por tudo quanto nos fez e nos lustrou.
Há uns 17 anos, estava com uns amigos no River City Center de Bangkok, situado mesmo ao lado da nossa espectacular embaixada. Este centro comercial diferenciava-se da costumeira imagem que temos destes aglomerados lojistas, porque consistia numa verdadeira arca de tesouros. As muitas dezenas de estabelecimentos dedicavam-se exclusivamente ao comércio de antiguidades e objectos de decoração. O esplendor oriental, a recriação de réplicas perfeitas de Art Deco, esplendorosas árvores decorativas em dimensão real e construídas com ágatas e outras pedras semi-preciosas, as porcelanas, lacas, bronzes, jades e madeiras cheirosas, fazem-nos mergulhar nos luxos de outros tempos, coexistindo exuberantemente com peças do mais atrevido e depurado design de gosto ocidental É o melhor centro comercial que já visitei e sempre conta com uma visita minha, para "ver as novidades" que me são tão caras. (1)
Naquela manhã, acompanhado por alguns amigos portugueses, fui questionado por dois estudantes uniformizados, curiosos pela origem da língua que falávamos. Respondi-lhes que éramos de Lisboa, a sempre e esquiva arrogância ocidental, pronta a testar a sabedoria de outrem. A resposta foi pronta:
- Uiiiiii, Portukét, very big navy!
É esta a imagem que persiste, apesar de um longo e lento declínio de mais de três séculos.
Naquelas paragens, Portugal surge como hoje o Ocidente ainda olha para a Grécia Antiga. O nosso país é para muitos povos, o genial mensageiro da modernidade e da criação de muitas nações erigidas hoje em Estados, em pátrias. A nossa gente serviu nos palácios, aconselhando rajás, príncipes e ramas. Soldados portugueses comandaram gigantescos exércitos orientais, onde os elefantes surgiam com as atribuições hoje reservadas às unidades couraçadas. Acompanhados pelos nossos arcabuzeiros, garantiram a independêcia e a prosperidade - nem sempre pacífica - de potentados hoje desconhecidos para a esmagadora maioria dos europeus. Na Indonésia, os governadores nomeados por Amesterdão, eram obrigados a conhecer a língua portuguesa, o veículo fundamental de comunicação na vasta área que vai do Cabo Guardafui - o nome diz tudo -, até a paragens tão longínquas como Nagasáqui. O Padroado das Índias criou laços indestrutíveis de fidelidade à memória comum, alçando á divindade o sentimento de pertença a um espaço que transcendeu a simples matéria. Fomos respeitados e queridos, apesar de todas as violências e vicissitudes consequentes de uma presença imperial e muito caboucada no interesse comercial. Quando da assinatura dos primeiros tratados de comércio entre as potências ocidentais - Estados Unidos incluídos - com os reinos asiáticos, o articulado era redigido nas três línguas, isto é, no idioma local - fosse ele o siamês, chinês ou malaio -, o ocidental em questão e claro está, em português, a língua do comum entendimento.
O património material é tão vasto quão impressionante. Panos de muralhas, igrejas, conventos, a organização ortogonal de tantas "partes velhas" de cidades e principalmente, o tão famoso e apregoado "estilo colonial", absolutamente copiado ou re-interpretado por todas as nações europeias que na Ásia estabeleceram a sua presença e soberania. As varandas de Macau, os telhados com as telhas de canudo portuguesas, as arcadas e janelas de tabuinhas, o bom gosto dos palacetes da outrora Goa dourada. Quantos testemunhos arquitectónicos, quantas adopções entusiasmadas do contributo luso naquelas paragens! Os idiomas locais, fortalecidos com o contributo do português, adaptaram-se até um certo ponto, à visão da sociedade e do mundo, que os novos mas efémeros senhores trouxeram de longínquas paragens. Os Silvas, Pereiras ou Pareiras, Mellos, Menezes e até Braganças, tornaram-se também o património de milhões, sejam eles cingaleses, indianos, birmaneses, malaios, tailandeses ou chineses. Para aquela gente, Portugal vive e com Portugal ainda vibram, seja na época das grandes festas religiosas que sustentam a sua perenidade e identidade nas comunidades que integram, seja num simples campeonato de futebol que os obriga a manter a atenção madrugada adentro, diante do televisor. Ao contrário do que se pensa, ainda existe uma certa ideia de Portugal como potência, no velho e prestigioso sentido do termo. Conhecem a nossa pequenez territorial e a igualmente exígua dimensão económica. No entanto, estimam o nosso abnegado poder de resistência às adversidades, o lutar até ao fim por uma nesga de terra - Colombo, Malaca, Goa, Macau e Timor - comprovam o nosso fácil apego às gentes e ao seu modo de vida e confirmam aquele primeiro encanto experimentado pelos homens do Gama, extasiados como uma Índia que os esmagou pela riqueza material e espiritual. Portugal dá-lhes a confiança garantida pelos laços de sangue já tão antigos e ainda hoje orgulhosamente reivindicados. Para eles, somos "os primos da Europa", dos quais conservam o Deus, os nomes, a gastronomia, centos de palavras e uma forma de organização social e familiar muito próxima daquela que foi trazida por antepassados comuns.
O futuro de Portugal radica essencialmente na mais valia - aqui está um termo do quotidiano normalizador - do seu passado. A América do Sul, a África que por nós espera e as Índias - no seu sentido mais lato - apenas aguardam o gizar e a colocação em prática do projecto de restabelecimento efectivo dos laços seculares, jamais quebrados. A tradicional política portuguesa de aliança com a Inglaterra (e hoje com os EUA), poderá solidificar-se e conquistar um valor indesmentível, se corresponder ao regresso a outras paragens onde a cooperação é possível e desejada. Mercados imensos e em crescimento ininterrupto, o prestígio de uma civilização da qual somos os portadores do facho primordial, impõem um repensar urgente da nossa política externa. Qualquer milhão investido no antigo Ultramar, tem um peso consideravelmente superior às miragens oferecidas por uma Europa de futuro incerto e até imprevisível. O simples facto de pertenceremos ao espaço físico europeu, é por si, uma garantia de absoluta segurança da nossa identidade e dos incontornáveis interesses materiais. Mas tal comprometimento, não pode nem deve obstruir o baluarte essencial à preservação da nossa identidade e lugar soberano no mundo.
Urge construir uma política eficaz que responda à urgência do momento e se é certo que tal é incompatível com os normais ciclos de rotatividade no poder - afastando gente competente e premiando apenas os incondicionais fiéis de grupo -, a própria solidez democrática do Estado, impõe a inevitabilidade da existência de uma linha coerente da política externa, seguindo o vector histórico que confirma uma vez mais, a sua plena e auspiciosa actualidade. Existe muita gente que plasma o seu arreigado patriotismo, na vontade pelo trabalho desinteressado, secundarizando fidelidades partidárias e agindo através do estudo e daquela curiosidade que levou os portugueses a remotas paragens e ao lugar que ocupamos na história. O renegar ou o simples alhear de um passado que abre novamente imensas perspectivas para um futuro melhor, consiste num crime. Pior ainda, numa imperdoável inconsciência daquilo que fomos e poderemos voltar a ser.
(1) Ainda existe, Miguel?
Há uns 17 anos, estava com uns amigos no River City Center de Bangkok, situado mesmo ao lado da nossa espectacular embaixada. Este centro comercial diferenciava-se da costumeira imagem que temos destes aglomerados lojistas, porque consistia numa verdadeira arca de tesouros. As muitas dezenas de estabelecimentos dedicavam-se exclusivamente ao comércio de antiguidades e objectos de decoração. O esplendor oriental, a recriação de réplicas perfeitas de Art Deco, esplendorosas árvores decorativas em dimensão real e construídas com ágatas e outras pedras semi-preciosas, as porcelanas, lacas, bronzes, jades e madeiras cheirosas, fazem-nos mergulhar nos luxos de outros tempos, coexistindo exuberantemente com peças do mais atrevido e depurado design de gosto ocidental É o melhor centro comercial que já visitei e sempre conta com uma visita minha, para "ver as novidades" que me são tão caras. (1)
Naquela manhã, acompanhado por alguns amigos portugueses, fui questionado por dois estudantes uniformizados, curiosos pela origem da língua que falávamos. Respondi-lhes que éramos de Lisboa, a sempre e esquiva arrogância ocidental, pronta a testar a sabedoria de outrem. A resposta foi pronta:
- Uiiiiii, Portukét, very big navy!
É esta a imagem que persiste, apesar de um longo e lento declínio de mais de três séculos.
Naquelas paragens, Portugal surge como hoje o Ocidente ainda olha para a Grécia Antiga. O nosso país é para muitos povos, o genial mensageiro da modernidade e da criação de muitas nações erigidas hoje em Estados, em pátrias. A nossa gente serviu nos palácios, aconselhando rajás, príncipes e ramas. Soldados portugueses comandaram gigantescos exércitos orientais, onde os elefantes surgiam com as atribuições hoje reservadas às unidades couraçadas. Acompanhados pelos nossos arcabuzeiros, garantiram a independêcia e a prosperidade - nem sempre pacífica - de potentados hoje desconhecidos para a esmagadora maioria dos europeus. Na Indonésia, os governadores nomeados por Amesterdão, eram obrigados a conhecer a língua portuguesa, o veículo fundamental de comunicação na vasta área que vai do Cabo Guardafui - o nome diz tudo -, até a paragens tão longínquas como Nagasáqui. O Padroado das Índias criou laços indestrutíveis de fidelidade à memória comum, alçando á divindade o sentimento de pertença a um espaço que transcendeu a simples matéria. Fomos respeitados e queridos, apesar de todas as violências e vicissitudes consequentes de uma presença imperial e muito caboucada no interesse comercial. Quando da assinatura dos primeiros tratados de comércio entre as potências ocidentais - Estados Unidos incluídos - com os reinos asiáticos, o articulado era redigido nas três línguas, isto é, no idioma local - fosse ele o siamês, chinês ou malaio -, o ocidental em questão e claro está, em português, a língua do comum entendimento.
O património material é tão vasto quão impressionante. Panos de muralhas, igrejas, conventos, a organização ortogonal de tantas "partes velhas" de cidades e principalmente, o tão famoso e apregoado "estilo colonial", absolutamente copiado ou re-interpretado por todas as nações europeias que na Ásia estabeleceram a sua presença e soberania. As varandas de Macau, os telhados com as telhas de canudo portuguesas, as arcadas e janelas de tabuinhas, o bom gosto dos palacetes da outrora Goa dourada. Quantos testemunhos arquitectónicos, quantas adopções entusiasmadas do contributo luso naquelas paragens! Os idiomas locais, fortalecidos com o contributo do português, adaptaram-se até um certo ponto, à visão da sociedade e do mundo, que os novos mas efémeros senhores trouxeram de longínquas paragens. Os Silvas, Pereiras ou Pareiras, Mellos, Menezes e até Braganças, tornaram-se também o património de milhões, sejam eles cingaleses, indianos, birmaneses, malaios, tailandeses ou chineses. Para aquela gente, Portugal vive e com Portugal ainda vibram, seja na época das grandes festas religiosas que sustentam a sua perenidade e identidade nas comunidades que integram, seja num simples campeonato de futebol que os obriga a manter a atenção madrugada adentro, diante do televisor. Ao contrário do que se pensa, ainda existe uma certa ideia de Portugal como potência, no velho e prestigioso sentido do termo. Conhecem a nossa pequenez territorial e a igualmente exígua dimensão económica. No entanto, estimam o nosso abnegado poder de resistência às adversidades, o lutar até ao fim por uma nesga de terra - Colombo, Malaca, Goa, Macau e Timor - comprovam o nosso fácil apego às gentes e ao seu modo de vida e confirmam aquele primeiro encanto experimentado pelos homens do Gama, extasiados como uma Índia que os esmagou pela riqueza material e espiritual. Portugal dá-lhes a confiança garantida pelos laços de sangue já tão antigos e ainda hoje orgulhosamente reivindicados. Para eles, somos "os primos da Europa", dos quais conservam o Deus, os nomes, a gastronomia, centos de palavras e uma forma de organização social e familiar muito próxima daquela que foi trazida por antepassados comuns.
O futuro de Portugal radica essencialmente na mais valia - aqui está um termo do quotidiano normalizador - do seu passado. A América do Sul, a África que por nós espera e as Índias - no seu sentido mais lato - apenas aguardam o gizar e a colocação em prática do projecto de restabelecimento efectivo dos laços seculares, jamais quebrados. A tradicional política portuguesa de aliança com a Inglaterra (e hoje com os EUA), poderá solidificar-se e conquistar um valor indesmentível, se corresponder ao regresso a outras paragens onde a cooperação é possível e desejada. Mercados imensos e em crescimento ininterrupto, o prestígio de uma civilização da qual somos os portadores do facho primordial, impõem um repensar urgente da nossa política externa. Qualquer milhão investido no antigo Ultramar, tem um peso consideravelmente superior às miragens oferecidas por uma Europa de futuro incerto e até imprevisível. O simples facto de pertenceremos ao espaço físico europeu, é por si, uma garantia de absoluta segurança da nossa identidade e dos incontornáveis interesses materiais. Mas tal comprometimento, não pode nem deve obstruir o baluarte essencial à preservação da nossa identidade e lugar soberano no mundo.
Urge construir uma política eficaz que responda à urgência do momento e se é certo que tal é incompatível com os normais ciclos de rotatividade no poder - afastando gente competente e premiando apenas os incondicionais fiéis de grupo -, a própria solidez democrática do Estado, impõe a inevitabilidade da existência de uma linha coerente da política externa, seguindo o vector histórico que confirma uma vez mais, a sua plena e auspiciosa actualidade. Existe muita gente que plasma o seu arreigado patriotismo, na vontade pelo trabalho desinteressado, secundarizando fidelidades partidárias e agindo através do estudo e daquela curiosidade que levou os portugueses a remotas paragens e ao lugar que ocupamos na história. O renegar ou o simples alhear de um passado que abre novamente imensas perspectivas para um futuro melhor, consiste num crime. Pior ainda, numa imperdoável inconsciência daquilo que fomos e poderemos voltar a ser.
(1) Ainda existe, Miguel?
F-se! Ler O Nuno É Obrigatório. Ai É! É!