Friday, December 26, 2008

F-se! Os Convites Envenenados, Uma Espécie de Mercados dos Sorrisos, Brincar à Felicidade, Ao Paraiso, Artífício Como Dado Cultural,


Texto do Miguel In Combustões

Aqui está um dos grandes bezerros de ouro do tempo presente. O turismo dá emprego a milhões, dizem; o turismo é um dos grandes vectores para o desenvolvimento dos países com sol e praias, acrescentam; o turismo permite a circulação de pessoas, permutas culturais, quebra o isolamento, protege o ambiente, insistem. A tentação de fazer engenharia social, de converter sociedades direccionando-as para a especialização no ócio de terceiros abastados, de transformar cada um em bartender, recepcionista, técnico de lavandaria, limpador de quartos e de piscinas, jardineiro de campos de golfe, criado de mesa, guarda de resort, motorista de limousine de aluguer, massagista de SPA, escort girl (ou escort boy), fabricador de bugigangas ditas de artesanato, tudo isto faz as maravilhas dos promotores de sonhos ao alcance da maioria dos ocidentais em busca de refrigério para apagar onze meses de frio, aborrecimento e stress.
O turismo não é um dado de civilização, mas uma marca de decadência. O turismo acentua a colonização e a dependência, tem impacto nefastíssimo na formação profissional, retira braços da agricultura, da pesca e da indústria, perturba - e de que maneira - a ecologia social, cria brutal atrito cultural, vulnerabiliza sociedades inteiras expondo-as às flutuações de moda e conjuntura económica. São quinze dias e catorze noites de bebedeiras, rave parties, casos de polícia, altercações, pugilato. Ao abandonarem os "paraísos tropicais" - paraísos para os caçadores de fotos, para os ocidentais em busca de abraços e beijos pagos - regressam aos seus frios, ventosos e aborrecidos países de origem cheios de sonhos, ideias feitas, ego compensado e aquele sentimentozinho de superioridade que faz a desgraça das paragens por eles invadidas e brutalizadas.
Compreendo agora, conhecendo e falando sem ocultação com os thais, o mal desta indústria. Compreendo, agora, por que razão se vai espalhando a xenofobia, o medo pelo estrangeiro, aquele cansaço de se ter sempre por perto um mastodonte tatuado, piercingado, de chinela (ou até descalço, no centro de Banguecoque), exigindo, dando ordens, triturando as mais elementares regras da urbanidade. Sim, os "paraísos tropicais" estão fartos dos estrangeiros. Simulam simpatia, pois os mastodontes XXL e arrogantes trazem dinheiro, dinheiro fácil que tudo quer comprar, que lhes invade os templos de gargalhadas e gritos, que standardizou bairros inteiros em disneylândia de copos, decibéis e propostas para uma noite. Quando os aeroportos fecharam portas, um amigo thai disse-me, sorrindo: "ao menos vamos ficar descansados durante uns tempos". A reputação do turista está em queda. Após 30 anos, a ideia que de nós, ocidentais, fazem é, no mínimo, reservada.
Sabemos o mal que tal indústria fez a Portugal nos anos 60, 70 e 80. O Algarve escalavrado pela especulação imobiliária - aquilo fora uma terra belíssima é hoje um amontoado de betão, um monumento ao horror e à patetice - constitui-se hoje em "paraíso para golfistas". Ora, se o impacto social e cultural foi terrível, o impacto ambiental parece multiplicar por dois dígitos a desdita. Um campo de golfe requer milhões de litros de água, milhares de sacas de herbicidas e devasta a orla costeira "para dar vista larga". Se perguntarem a um jovem algarvio o que quer ser, dir-vos-á que quer ser criado de mesa ou caddie. Os algarvios mudaram, mudaram muito com a tal indústria. Dizia-se, nos anos 50, que os algarvios eram doces e sorridentes, amenos e humildes, quase levantinos. Depois, chegaram os mastodontes XXL e tornarm-se ávidos por dinheiro fácil, respondões e quase agressivos para os outros portugueses (que não tinham dinheiro) e cínicos na cata de clientes. Se assim foi no Algarve, calcule-se o que não terá sido no Sri Lanka, nas Maldivas, BirMãnias e Tailândia.
Estes comentários indignarão decerto os fascinados pelo dinheiro terraplanador, os construtores civis que mutilam o original e, sobre os escombros do verdadeiro edificam vilas neo-D. João V. Decerto que o turismo é um bem, quando doseado e tido como fonte marginal de receitas. Medina Carreira afirmou que a partir dos 10% da população activa envolvida em tal sarambanda de copos, golfes e massagens, o perigo do turismo se transformar em mal económico é evidente. Tempos houve em que não havia turismo, mas viajantes. Estes, sim, eram como o grão de sal que trazia um toque de diferença. Hoje, temos camionetas cheias de gente XXL, aviões-carreira apinhados de uma matulagem insuportável, cidades feitas para eles, praias para eles, espectáculos, restaurantes e artesanato "tradicionais" para eles. É um bem ? Não, é um flagelo.



PS.: A Foto É Um Dos Espelhos-Lusos Do Texto do Miguel.


F-se! A Indusrialização Da Cultura Autocne Como Mera Engenhoca Consumível Y Descartável Por Todos. Bem Lá No Fundo, A Negação Da Cultura, Não Participar (!) Deixa-nos Mais Humanos.