Wednesday, December 24, 2008

F-se! Para quem não sabe: ISTO É QUE É POESIA!

"Agora vai ser assim: nunca mais te verei.

Este facto simples, que todos me dizem ser simples, trivial,

e humano, como um destino orgânico e sensato,

fica em mim como um muro imóvel, um aspecto esquecido

e altivo de todas as coisas, de todas as palavras.

(...)
Estava a porta entreaberta,

não bati sequer. Sempre me espanta encontrar-te tão

assim de visita, na tua própria casa, em ti.

Era difícil tocar-te, mexer-te. Na parede branca

oscilam os ramos, as sombras de ramos da alameda.

Era mais fácil beijar-te, por falta de palavras. Tão profundo

é o silêncio, que se ouvem todos os rumores,

o ladrar de um cão, o silvo de uma fisga,

a pancada dos ramos no entardecer, lembrando

um sino submarino. Pensava que amar-te (querer-te livre)

começava na ponta dos dedos e ia até às ideias mais abstractas,

que o teu corpo era a melhor expressão possível de ti, e ainda

muda, como um hieróglifo enterrado

na areia do teu deserto favorito (algures na anatólia),

pensava que serias um dia aquela singular memória

que nos separa, um breve instante, de tudo quanto vemos,

e muitas outras noites, acordado junto ao teu corpo ausente,

seriam como esta: vidros abertos sobre um ror de estrelas,

nuvens ligeiras navegando em direcção ao mar,

o jovem coração, liso detrás das grades, dos ossos.
(...)
Não podias sermais duro que agora, mais frágil que a boca

cinzenta do céu unânime e opaco,

mais simples do que o simples «nunca mais».
(...)
Vai ser assim: ver-te continuamente,

como se vê no céu o aeroplano.
Excertos do Poema "Eco" de António Franco Alexandre

O Meu excerto favorito do "Eco" é Este:

"(...)
compreendes agora? nenhuma «literatura»,/
nenhum chiar da roda inexorável, inoxidável mesmo,/
mito, frase, romance, ou «fantasia»,/
nem o extenso fogo que simula, na linha de horizonte,/
perfeitamente a aurora borealis,/
e nem o mundo, nem o saber do mundo, /
te bastarão. (...)" AfA, Uma fábula, "Eco", pág. 62.
Pelos excertos, imaginem o Poema! A concisão exacta do eco amoroso que nos faltava experienciar, para não nos sentirmos a enlouquecer sós.. AFA é assim: cirúrgico. Cada palavra cumpre a sua missão, cada verso é um feixe de sentidos ... etc. Uma Experiência, isto de ler o que escreve o AFA.

F-se! O António Franco Alexandre É Aquele Que É melhor Que Os Outros Todos Juntos Multiplicados y Somados y Babados Por Cegos Leitores De Frases Juntas...