A jornalista norte-americana Lara Logan, que trabalha para a cadeia televisiva CBS, foi atacada e violada no Egipto, quando fazia a cobertura jornalística dos festejos na Praça Tahrir, no Cairo, depois do anúncio da saída do poder de Hosni Mubarak. A informação foi avançada pela próxima CBS no seu site na Internet.
A jornalista estava a realizar um trabalho para o conhecido programa «60 Minutes», no passado dia 11, quando foi separada da equipa com quem estava a trabalhar por uma movimentação súbita da multidão.
«Foi cercada e sofreu um brutal e continuado abuso sexual e espancamento antes de ser salva por um grupo de mulheres e cerca de 20 soldados egípcios», lê-se no site da CBS.
Depois disso, a jornalista reuniu-se com a equipa, voltou para o hotel e viajou para os EUA no primeiro voo do dia seguinte.
«Está neste momento em casa a recuperar», refere a CBS, dando conta que não fará mais qualquer comentário sobre este tema em respeito pela repórter e pela sua família.
Antes deste incidente, a repórter já havia sido detida no Cairo, no dia 3 de Fevereiro, quando cobria uma manifestação em frente à embaixada de Israel, tendo sido libertada no dia a seguir.
1) António com que idade e em que circunstâncias surge a sua ligação ao jornalismo?
Comecei nesta profissão muito jovem, em Março de 1989, tinha ainda 19 anos. Foi perfeitamente por acaso. Um dia fui à Rádio Nova Antena, em Odivelas, com o meu amigo Paulo Costa que era locutor dessa rádio. Na altura juntávamo-nos todos no estúdio durante os programas uns dos outros, havia um clima de camaradagem muito bom. Estava no ar o Jorge Freitas – hoje locutor da TSF. O Jorge gostou da minha voz e pediu-me para anunciar um dos sinais horários da madrugada e lançar duas músicas. As rádios locais permitiam essas brincadeiras. Uma semana depois estava a ler notícias sobre música ao sábado à tarde no programa do Paulo Costa, e em menos de um mês tinha sido convidado pelo dono da rádio para fazer um programa de música, na sexta-feira à noite – o Norte Atlântico. Quando dei conta já eram três os programas que assinava – Norte Atlântico, Jardins de Pedra e Club Tropicana –, todos diferentes e com estilos musicais diferenciados. Também editava noticiários e vendia publicidade – hoje actividades completamente incompatíveis. Como oferecia a voz aos anunciantes – na altura creio que se cobravam dez contos (50 euros) – acabava por vender imenso. Ganhava bem por causa disso.
2) Se não fosse jornalista o que se via a fazer, profissionalmente?
Nunca imaginei fazer outra coisa. Claro que passei pela fase do piloto, do astronauta, do bombeiro, do polícia. Houve uma altura em que queria ser advogado, inspirado pela série Perry Mason. Aos 6 anos já simulava relatos de futebol e tentava imitar o Fernando Correia, o David Borges, o Ribeiro Cristóvão, o Jorge Perestrello – que infelizmente já não está entre nós. Um dia acordo e estou a trabalhar ao lado de todos eles, a receber elogios pelo meu trabalho (Risos). Nem queria acreditar.
3) Onde é que se licenciou?
Não me licenciei. Frequentei o curso de Direito, na Universidade Internacional em Lisboa. O Fernando Seara – Presidente da Câmara de Sintra - era meu professor. O Matos Correia – deputado do PSD, e ex-chefe de gabinete de Durão Barroso – também. Havia ainda o Narana Coisssoró e o Adriano Moreira, mas nunca me deram aulas. Frequentei o curso até ao 3º ano, mas só completei o 2º. Entrei para o quadro da TSF e tive de fazer uma opção. Uma parvoíce. Hoje teria requerido o estatuto de trabalhador-estudante. Mas tinha 22 anos na altura e não pensei da melhor forma. Era uma grande oportunidade que não queria deixar fugir, e na TSF não houve grande abertura como aconteceu mais tarde com outros casos.
4) Cada vez mais se fala do jornalismo enquanto um 4.º Poder que funciona em simultâneo como contra-poder. Acha que o jornalismo deve assumir essa mesma função?
O jornalismo é sempre contra-poder, porque não alinha com nenhum dos poderes instituídos. O jornalista deve colocar-se sempre numa posição de senso comum, no lugar do espectador, do cliente, do utente, do cidadão comum nas suas múltiplas facetas diárias. Deve questionar de forma corajosa, rigorosa, isenta e distanciada, e não se deixar intimidar pelos poderes. Não é fácil. Cada vez menos. O jornalismo é um poder por si próprio, cada vez mais mal usado. É usado de forma leviana e cada vez mais por pessoas que se servem do jornalismo e não servem o jornalismo.
5) Como é que vê a evolução do jornalismo sobretudo ao longo das últimas décadas em Portugal?
O aparecimento da TSF e da SIC foram uma lufada de ar fesco e deram origem ao jornalismo em directo. Um jornalismo corajoso, agressivo às vezes, dinâmico, interventivo, um jornalismo que não se limitava à secretária e aos telefones. Um jornalismo que punha tudo em causa, imaginativo e criativo, que ia ao fim da rua mas também estava disposto a ir ao fim do mundo. Hoje só há dinheiro para o fim do bairro (risos). A partir de certa altura, qualquer pessoa podia ser questionada em qualquer local sobre qualquer assunto. Era uma situação incómoda que rompia com o status quo, com a previsibilidade reinante. Um ministro podia receber um telefonema às sete da manhã, ou ter um jornalista à porta e à saída de casa. Hoje voltámos ao jornalismo preguiçoso, à secretária e ao telefone, sem confrontação de fontes e sem exercício do contraditório. Um jornalismo manhoso e comprometido com vários interesses. Felizmente que há várias “ilhas” de bom jornalismo em Portugal que contrariam este cenário. A RTP é uma delas, felizmente.
6) A informação isenta e objectiva são características pelas quais o bom jornalismo deve primar, no entanto não considera que «por mais que se procure esse distanciamento, a personalidade do jornalista, o seu pensamento» acabam muitas vezes por demarcar determinadas posições?
Não há jornalismo objectivo. As pessoas são subjectivas quando colocam em qualquer coisa um cunho pessoal. É possível que a mesma reportagem dê origem a peças completamente distintas desde que seja feita por várias pessoas. O que deve haver é jornalismo sério, isento, rigoroso, credível e honesto. Um jornalismo sem opinião, factual, que respeite a ética e a deontologia. Muitas vezes não há.
7) A relação entre o político e o jornalista são vincadas de um misto de ambivalências. O político precisa do jornalista para transmitir as suas ideias, opiniões e o jornalista precisa dele para informar o cidadão. Não obstante quando o jornalista entra em campos de investigação com os quais o político não concorda gera-se muitas vezes um clima de tensão. Como é que vê na actualidade esta relação?
Há uma grande promiscuidade entre os poderes políticos e económicos e uma boa parte dos jornalistas. Não devia haver. A política pressiona os poderes económicos que por sua vez pressionam os jornalistas. Outras vezes são os poderes económicos a pressionar a política que pressiona os jornalistas. Nós somos o ele mais fraco e as pressões são cada vez maiores. De todos os lados e das formas mais diversas e discretas. Mas não podemos ceder em nenhuma circunstância. Não é fácil. Em Portugal toda a gente pressiona toda a gente e às vezes quem acusa os outros tem um telhado de vidro do tamanho dos Jerónimos (Risos) Mas há pessoas pressionáveis, outras não. Resisto a isso ignorando as pressões. .
8) Estreou recentemente juntamente com uma vasta equipa um novo espaço de informação na RTP 2 – HOJE. Como é que caracteriza este novo espaço de informação?
Um espaço de qualidade informativa em geral, dinâmico na forma e consistente no conteúdo. É um espaço a dois tempos. Às 19H00 acompanhamos ainda a vertigem dos acontecimentos. Em 20 minutos temos de resumir o dia, fazer directos, ouvir os protagonistas, mostrar as principais imagens do dia. É um espaço muito dinâmico. Às 22H00 mastigamos o dia, devagar, saboreando as notícias. É um espaço mais analítico, explicativo, em que ouvimos os comentadores, analistas, onde temos reportagens mais longas, onde vamos até aos 13 locais onde a RTP tem correspondentes para ter um olhar português sobre a realidade desses países. Onde temos com regularidade algumas das vozes mais respeitadas do país.
9) Quer nos falar um pouco da sua rotina diária, quando está apresentar o programa.
A lócura!!! (Risos). Levanto-me cedo para dar papa ao meu filho, para vesti-lo e brincar com ele. Tem 17 meses e necessidade de apoio e muita atenção. A mãe trata dele à noite e eu de manhã. Vejo sempre cerca de uma hora de canal Panda, um Pocoyo ou outro e outra bonecada. Quando a ama dele chega, despacho-me a correr – vejo as noticias na TV - e venho para a RTP, onde entro cerca das 10.30, 11 da manhã. Leio jornais e preparo a reunião de informação diária às 12H15. Almoço a correr para poder ler os jornais com mais detalhe e começar a preparar a entrevista da noite. É sempre sobre um tema diferente, com especialistas e vozes respeitadas na área em questão, e por isso não se pode facilitar. Apresento às 19 e 22H00, e pelo meio como uma sandes e um sumo. Quando acaba a edição, cerca das 22H40, ainda ficou até às 23H30, meia-noite, para despachar assuntos em atraso. Sou subdirector, pivô e coordenador do HOJE e não posso, nem devo, descurar nenhum dos aspectos. Chego a casa muitas vezes cerca da uma da manhã. São no mínimo 12 horas por dia, mas não me queixo. Adoro o que faço, faço-o de forma voluntária e com gosto. Mas a melhor parte do dia é quando estou outra vez com o meu filho, a vê-lo dormir e com ar tranquilo. E lhe digo que é a coisa que mais amo nesta vida. Desde que ele nasceu que passei a ter mais uma preocupação: não fazer nada de que ele um dia se possa envergonhar. Acho que até agora consegui (risos).
10) Como é trabalhar com a jornalista Cecília Carmo?
É óptimo. É uma excelente pessoa, calma, tranquila, bem disposta. Qualquer pessoa da RTP lhe dirá que isto é verdade. É muito experiente na área da apresentação e trocamos muitas ideias. Ela deu-me conselhos muito úteis no início. Agora manda em mim (risos). ÀS vezes tenho de a lembrar que eu é que sou o subdirector, mas ela não me liga nenhuma (risos).
11) Quem seria a personalidade que ainda não entrevistou mas sempre manteve aquela convicção de um dia a poder entrevistar? Porquê?
Nelson Mandela. É a única personalidade mundial, além do Xanana, que gostava de abraçar e poder dizer-lhe o quanto o admiro. Infelizmente está muito doente e nunca poderei fazê-lo. Delicio-me com a história do António Mateus – autor recente de um livro sobre Mandela – que privou com ele. Também gostava de entrevistar a minha mãe, é uma mulher admirável, de uma coragem sem limites. Uma inspiração diária. Mas os manuais desaconselham tal actividade. É pena.
12) Onde se sente mais confortável, como pivô da informação ou em reportagem? No jornalismo em geral. Já fiz de tudo na profissão – até já me armei em realizador – e gosto de tudo. O que mais gostei até hoje foi participar em operações especiais, mesmo quando coordenei e não apresentei nem fiz reportagem ou directos. E fiz centenas, desde cimeiras a visitas de estado, campeonatos do mundo e da Europa de futebol, o Dacar, sismos, uma guerra, eu sei lá… A minha mulher diz que nunca vou deixar isto até morrer porque não vou ser capaz de largar o jornalismo. Eu ainda acredito que me vou converter à agricultura e ao turismo rural um dia destes (risos).
13) Falemos um pouco das suas reportagens. Gostaria que enumerasse os países onde já esteve em reportagem e quais foram as situações mais caricatas pelas quais passou. Ui!!! Tem uma semana? (Risos) Já estive em mais de 30 países e nas mais diversas situações. As mais marcantes foram a Bósnia e o Sismo de L’Aquila, em Itália. Em 6 dias houve 12 sismos de média e forte intensidade. É uma experiência impressionante. Também me marcou o dia em que morreu um adepto do Sporting no Estádio Nacional. Parece que ainda estou a ver o very-light espetado no peito, o jacto de sangue, o pânico e o desespero dos amigos e vizinhos de bancada. Do pior que vi até hoje. Eu estava na bancada presidencial doJamor, ao lado de António Guterres e Jorge Sampaio. A TSF acabou por dar em primeira mão a morte do adepto porque eu consegui apanhar uma conversa entre assessores do Primeiro-ministro e do Presidente que estavam em pânico com a situação. Só dei o nome e o local de residência depois de ter a certeza de que a família estava avisada. Mas confesso que pressionei ao máximo para que fosse rápido. Havia milhares de adeptos do Sporting no Estádio Nacional, imagine a quantidade de pessoas pelo país preocupadas com a incerteza da identidade – familiares, amigos, conhecidos… Também dei a morte do Ayrton Senna em primeira mão. Nunca mais me esqueço, foi no dia 1 de Maio, feriado, de 1994. A TSF era a única rádio em directo naquele momento e com noticiários à meia hora, eu chamo o correspondente Henrique Cardão e ele confirma a notícia acabada de chegar, creio que pela Reuters. Foi uma situação que me marcou muito. Eu era um fã do Senna, tinha 25 anos e ele 34. Estava a dar a notícia e a fazer um esforço enorme para não me deixar dominar pela emoção. Tinha isso gravado, um dia destes ponho no facebook. Há também vários campeonatos da Europa e do Mundo em Futebol, o Dacar, cimeiras, visitas de estado, campanhas eleitorais, congressos partidários, e por aí fora. Em 21 anos, na Rádio Nova Antena, Rádio Orbital, TSF, CNL, SIC e RTP, veja bem o que era possível contar-lhe. Uma das mais caricatas foi durante a Volta a Portugal em Bicicleta. Um dos repórteres de rádio da velha guarda estava o meu lado em directo na chegada a Lisboa, e estava previsto que os ciclistas passassem duas vezes pela meta, uma vez num sentido e depois no outro. Ele quando ouve o som ensurdecedor da caravana, pensa que já era a chegada definitiva, e pede que o chamem. Eu vejo-o muito agitado porque nunca mais o chamavam, e quando finalmente passam a emissão para lá ele está a olhar para o lado em que os ciclistas iam chegar à meta apenas no final da etapa. Mas a caravana – já estava previsto – começa a chegar pelo lado contrário. Ele não sabe. E começa (não tenho a certeza que o diálogo seja EXACTAMENTE ASSIM): - Há uma mota da GNR, em sentido contrário. Meu Deus, mas isto é um perigo. Olha, outra mota da GNR em sentido contrário. E agora o carro do oficial. Está tudo doido!!! (Com aquela voz espectacular de radialista) E continua aos gritos: - E agora, claro, os ciclistas foram enganados e estão a chegar à meta ao contrário. Até que um colega, que também está ao lado dele, lhe diz: - Ó …. Estás a olhar para o lado contrário. O percurso é mesmo por aqui, só daqui a pouco é que voltam neste sentido. Foi de rir à gargalhada. Noutra ocasião, o mesmo colega distraiu-se e quando estava a descrever a chegada dos ciclistas caiu num buraco entre o meu plateau e o dele no camião destinado à comunicação social. Mas não se magoou nem se calou. Ficou com um cotovelo de cada lado, o microfone numa das mãos, o corpo gordinho e pequenino a balançar em suspenso no vazio e lá continuou a fazer a descrição da chegada como se nada se tivesse passado. A imagem era ridícula. Eu tive de passar ao Carlos Marta – ex-ciclista e comentador da TSF que estava em estúdio – e não conseguia parar de rir. Deus castigou-me. No dia a seguir fui eu que caí no buraco, mas não estava em directo, e magoei-me num braço. Há também a imensa confusão que as pessoas fazem entre mim e o Hélder Reis da Praça da Alegria na RTP 1. No Mundial da Alemanha, em 2006, os emigrantes passavam a vida a pedir-me para tirar fotografias, autógrafos e celebrizaram uma das palavras de ordem nesse Mundial: “Ó Xôr Hélder, gosto muito do seu programa!!!” O Nuno Luz dizia isto várias vezes ao dia e punha toda a gente a rir à gargalhada. Aida hoje há pessoas que quando me cumprimentam dizem: “Olha o xôr Hélder!!!” (risos)
14) A RTP continua a apostar numa informação de qualidade. Quais acham ser as principais características que distinguem a informação da Televisão Públicas das demais Generalistas?
A principal característica é isso mesmo, informação de qualidade. Bons jornalistas, boa liderança, não facilitar nos procedimentos, questionarmo-nos permanentemente se estamos a enveredar pelo caminho certo, não termos certezas absolutas – porque é meio caminho para o desastre – e assumir com humildade que estamos a aprender todos os dias e é sempre possível fazer ainda melhor. Dá muito trabalho, mas dá muito gozo. A informação da RTP é líder, e não é por acaso. É devido a uma excelente equipa, muito grande, na televisão mais antiga do país.
15) Para terminar que conselhos, alusões gostaria de deixar aos futuros jornalistas deste país…
Isto não é vida para ninguém!!! E só nos filmes é que os jornalistas não fazem nada o tempo todo, andam em almoços e jantares e têm muitas miúdas e descapotáveis. (risos) A sério. Acho que o jornalismo corre sérios perigos em Portugal. Quem quiser vir tem de vir com espírito de missão e paciência para comprar algumas guerras a favor do rigor, da ética e da deontologia. Caso contrário é melhor escolherem outra coisa.
1) Rita como é que nasce esta paixão pelo jornalismo? Era também daquelas crianças que se punha em frente ao espelho a apresentar o telejornal? Não, de todo. A apresentação de um espaço informativo nunca foi factor de fascínio. Achava limitativo. Interessava-me o terreno, o contar a história, o estar nos locais e interagir com os intervenientes. Comecei na Rádio e Televisão Escolar, no Liceu. Um simples Clube de Comunicação Social que acendeu um rastilho intenso... uma vontade de contar as histórias reais. A partir daí, quis experimentar tudo o que me apareceu na área da comunicação: rádio local, imprensa escrita, até produção de cinema. Depois, naturalmente, seguiu-se o curso de Ciências da Comunicação, na Universidade Nova de Lisboa. A necessidade de saber como contar, modos de contar, de intervir, de dominar os modelos comunicacionais.
(Foto de Garriapa - jornalista da SIC)
2) Há quantos anos está nesta profissão e qual foi o local da sua rampa de lançamento? Eu comecei a fazer rádio na SeixalFM com 17 anos. Depois, foi em crescendo. Já lá vão 16 anos.
3) Voltaria a fazer tudo da mesma forma? Julgo que sim. Não há nenhum passo de que me arrependa. Aprendi sempre algo. Mesmo quando a experiência foi menos gratificante ou prazeirosa, tirei sempre lições.
4) A Rita para além da sua faceta de jornalista dedica-se também à escrita. Em 2006 surge juntamente com Eduardo Águaboa no romance, Vieste p@ra ser o meu livro. Acredita que numa sociedade cada vez mais globalizada, se perderam os velhos hábitos de socialização face-a-face, ou o espaço «dos bites e bytes» serviu para aumentar esses elos de ligação entre as pessoas? Esse, curiosamente, é o tema da minha tese de Mestrado, ainda em construção... Sem dúvida que a “tecnologização” das relações criou novos conceitos de interacção. Se são passíveis de qualificação como bons ou maus, é discutível. A informação dialogante está acelerada, rápida, imediata. Mas isso é sinal de que está melhor? Não, não creio. A parede tecnológica, que é algo que intermedeia uma relação comunicativa, como um computador, um telefone ou os SMS's, intensifica a intimidade. Mas essa mesma intimidade não deixa espaço para toda a paralinguagem. Não existe o cheiro, as inflexões da voz, ou as expressões do olhar. Toda a linguagem corporal e facial perde-se. Por isso, sim... acho que os hábitos de socialização estão inegavelmente diferentes. Potenciam o contacto mas isso não significa que melhorem o contacto.
5) Já em 2008 juntamente com a jornalista Margarida Neves de Sousa surge como autora de uma obra mais jornalística, de investigação – Esmeralda ou Ana Filipa. Como é que uma jornalista consegue gerar emoções tão fortes neste caso concreto, onde ambas as partes revelavam querer o melhor para a menina, quererem a guarda definitiva de Ana Filipa no caso da Família Gomes ou de Esmeralda no caso do pai biológico, Baltasar Nunes? Essa obra foi tremendamente trabalhosa. Aquilo a que se chama “uma verdadeira dor de cabeça”. Lemos milhares de artigos publicados, vimos horas de reportagens dos três canais, uma carga inexplicável de informação divulgada pelos media. Não nos é permitido, obviamente, adoptar posições mas revelar factos. E, neste caso em concreto, muitos dados não eram claros, não tinham sido divulgados correctamente ou com exactidão. E era inegável o interesse social e criminal do caso. Subitamente, era a novela da Esmeralda a que as pessoas assistiam todos os dias nos noticiários. Mas era de uma criança que se tratava... disputada por três famílias, a certa altura. Os meios de comunicação foram os culpados de verdadeiras barbaridades... fotografar a criança no primeiro dia de escola, filmá-la a gritar dentro do carro na passagem para o pai biológico. São momentos que, esperemos, sirvam para reflectirmos e não repetir.
6) A Rita é uma grande defensora da preservação da Língua, enquanto identidade Portuguesa. O que lhe apraz dizer sobre o acordo ortográfico? Essa questão é curiosíssima porque assumi essa posição num espaço cibernáutico como o Facebook. Curiosamente, as pessoas mais directamente ligadas ao uso da língua portuguesa não foram perdidas nem achadas neste Acordo. Não, de facto, não concordo com os preceitos, os métodos e imposições. Não é uma questão de se preservar a rigidez da língua, mas de permitir a sua riqueza inter-continental. Não temos de falar todos da mesma maneira, não temos de uniformizar fórmulas! Os Ingleses dizem e escrevem garbage, os americanos trash. Os ingleses escrevem want to, os americanos utilizam com mais frequência o wanna. E então? São estas preciosidades que os tornam únicos.
7) Recorda-se ainda hoje do seu 1.º directo? Onde foi, que reportagem e que sentimentos a rodearam naquele momento? Recordo-me do meu primeiro directo de televisão, sim. Mas não me recordo do de rádio, o que não deixa de ser curioso. O meu primeiro live em televisão nem foi como jornalista, mas como apresentadora do Curto Circuito Especial de fim-de-semana, no já extinto CNL. O Rui Unas e a Rita Mendes apresentavam de 2ª a 6ª e eu aos Sábados, com um painel de convidados, três horas em directo, sem teleponto. Maravilhoso. Correu muito bem. Na RTP, como jornalista, foi na estação rodoviária do Colégio Militar por uma greve qualquer. Estávamos em 2000.Quem me conhece sabe que não sou de grandes nervos ou inseguranças. Quando apresentei o Curto Circuito estava, inevitavelmente, tensa. Mas foi algo que ultrapassei nos primeiros minutos, quando ouvi no auricular “estás no ar”. Talvez por isso, o directo na RTP tenha sido feito com alguma tranquilidade. Não era novidade olhar para uma câmara, ouvir o “fala” no ouvido... Gosto muito do sem-rede, do é agora. É um pôr-me à prova de que gosto bastante e que confere uma adrenalina notável. E tenho um péssimo hábito: não escrevo nada, não faço anotações, não decoro discursos. Se por um lado é bom, - não fico agarrada a um fio que se pode perder ou sem capacidade de respostas face ao imprevisto,- por outro, se me esquecer de um nome ou de um número... Talvez por isso, goste da efemeridade do directo, do teste “tenho de dar o máximo de informação com clareza e veracidade”. A minha estratégia é simples: se tenho de partilhar uma informação com o telespectador, faço-o como se contasse algo a alguém familiar, num estilo informal mas incisivo e com as devidas distâncias discursivas, como se de um diálogo se tratasse em lugar de um discurso empinado.
8) Sente que a vida de jornalista na actualidade é difícil, pela sua precariedade, pela sua remuneração? Não tenho a menor dúvida que estamos a passar por uma das piores fases do mercado jornalístico. Não há empregos. Não há lugar para as “fornadas” de jornalistas que saem das universidades, politécnicos, escolas profissionais. Muitas com um ensino duvidoso e programas desprovidos de qualquer sentido prático do ofício. Mas hoje, atenção, os jornalistas são mais bem pagos do que eram há uns anos valentes. Quando surgiram as televisões privadas, e mesmo antes, com os jornais de vanguarda, que foram uma autêntica pedrada no charco, como o Público e o Independente, os salários sofreram visíveis aumentos. Actualmente, vivemos um período negro... os estagiários não são remunerados, a progressão de carreira é lenta ou inexistente, e os salários não conhecem aumentos há muito tempo. Os jornalistas são dos licenciados mais mal pagos no início de carreira. Algo que me entristece muitíssimo. Há um congelamento de expectativas, de evolução. É difícil crescerem e surgirem novos nomes porque, constantemente, há areia na engrenagem...
9) O que a mais gratifica na sua profissão? A intensa e permanente aprendizagem e o modo como mudamos a vida das pessoas. Que influências intensificamos, as convicções que se alteram, outras realidades que revelamos... e aquelas que nos são reveladas a nós próprios. Guardo as mais preciosas histórias e o prazer de ter privado com os mais ilustres anónimos que partilharam comigo experiências de vida riquíssimas. Essa é a grande virtude: aprender, experimentar, conhecer. É uma fonte inesgotável para uma sede de conhecimento que tenho.
Banda Aceh, Samatra, Indonésia, 2005
Tsunami no Sudeste Asiático
10) Grande reportagem ou pivô da informação? Porquê? Não há qualquer dúvida quanto a isso... Grande reportagem sempre. Eu recordo que nem sempre tivemos pivôs jornalistas. Os pivôs eram apresentadores. Por isso, homens com um poder comunicacional brilhante, boa imagem e cultura-geral, eram pivôs. O Fialho Gouveia e o Carlos Cruz foram pivôs de informação, por exemplo. Hoje em dia isso já não acontece. Mas, mesmo assim, tenho a convicção de que a índole do repórter está no terreno, no campo, no toque e na vivência. Jamais teria espírito para ficar encerrada num estúdio, alterando pivôs propostos pelos jornalistas que executaram as reportagens... e são nessas que eu gosto de estar. São essas que eu gosto de fazer.
11) Considera que os media causam alguma influência na sociedade portuguesa? Em que sentido? Não podemos ser ingénuos e considerar que os media têm um papel suave e superficial. Não, de todo. Eu recordo-me de um documentário feito na SIC para o canal Arte, por Mariana Otero... em Cette télévision est la vôtre, Emídio Rangel dizia, numa reunião , algo do género... que vendiam presidentes como vendiam sabonetes. E não está muito longe da verdade. Existem interferências mais ingénuas no que diz respeito a influência dos media, como um produto óbvio da máquina mediática que é o happening. A presença de comunicação social é produtora de happenings... uma manifestação com 5 ou 6 pessoas calmas e ordeiras, transfigura-se com uma ou duas máquinas de filmar. As pessoas gritam mais alto, têm posturas mais assertivas. Tudo isto é plausível. Depois temos as convicções transformadas em modelações da realidade. Essas são as evitáveis...
12) A Rita foi uma das jornalistas a fazer a cobertura no terreno na leitura da súmula do acórdão do Processo Casa Pia, no passado dia 3 de Setembro. Todos nós, público, vimos a observação que Carlos Cruz lhe fez nesse dia, aquando da sua intervenção sobre o arguido, dizendo que este revelava um passo apressado na sua entrada. Acha que nestas situações tão delicadas, muitas vezes os jornalistas são de certa forma inferiorizados, bodes expiatórios, que resulta na revolta dos arguidos? Carlos Cruz não estava numa posição fácil e eu também não. Não é comparável ouvir uma sentença ao final de 5 anos e 10 meses de julgamento e estar em directo numa maratona. Não tenho a menor dúvida, mas eram momentos tensos para ambos e ele respondeu com alguma tensão defensiva. Percebo lindamente. Se existiam outros modos e fórmulas para responder e escoar essa tensão? Sim, claro que havia. Os jornalistas são incómodos para quem não quer responder! São chatos para quem está constantemente a ser assediado por jornalistas, são inconvenientes quando as questões são postas recorrentemente... tudo é relativo. Depende de que lado se está. O meu trabalho é informar. Tentar, legitimamente, obter informação. Se tenho de ser chata? Às vezes. Compensa? A maior parte das vezes sim... É ingrato? Não tenho a menor dúvida.
13) Como é que vê a relação entre a política e o jornalismo na sociedade contemporânea? Vejo com a singularidade normal das relações entre jornalismo e restantes editoriais e temas. A relação foi, noutra altura, mais promíscua. Talvez mais tácita. Hoje é algo mais distante, mais respeitoso. Os terrenos estão mais delimitados. E ainda bem.
14) Nos últimos tempos tem-se falado bastante no código deontológico do jornalista. Haverá alguma situação em que este possa ser violado, ou pelo menos deixado um pouco de parte, quando se quer passar a verdadeira informação ao público leitor -espectador? Não me parece. O código deontológico, tal como código de Processo Penal ou qualquer regra instituída, é contornável. Mas existem violações e violações. Há princípios básicos que jamais devem ser postos em sob o prejuízo de se desvirtuar a natureza do jornalismo leal, rigoroso e imparcial.
15) A universidade é um pilar do jornalismo, ou é um dos factores que associados à prática jornalística se conjugam no bom jornalista? Temos grandes jornalistas que nunca passaram pelo ensino superior. No entanto, as exigência da modernidade são muitas e requerem instrumentos que um perfil académico dá. A universidade não substitui a prática, o terreno, mas fornece-nos um conjunto de utensílios de reflexão, conhecimento e uma cultura mosaico imprescindíveis para a efemeridade e a rapidez quotidiana.
16) Como é que nasce uma reportagem exclusiva num canal de televisão, no seu caso a RTP? Nasce como em outro canal qualquer. Uma investigação própria, uma denúncia, uma descoberta de documentos... qualquer exclusivo requer uma fonte própria, informações únicas, corroboradas e legitimadas.
17) Todos os dias tem mais a aprender com os seus colegas há mais tempo no jornalismo? Todos os dias são dias de aprendizagem. Com os meus colegas mais novos, mais velhos, com os entrevistados... As referências jornalísticas são sempre excelentes consultores.
18) Quem são para si os jornalistas de referencia da actualidade? Porquê? O Adelino Gomes é um nome incontornável, bem como o de Joaquim Furtado. Hoje em dia, o Eduardo Dâmaso, o Henrique Monteiro... o Zé Manel Fernandes. Pessoas que tiveram um papel determinante no panorama jornalístico português no pré e no pós 25 de Abril. Que tiveram o privilégio de presenciar e fundar jornais maravilhosos, num tempo áureo de turbulência social e mediática.
19) Que perspectivas têm para a sua vida profissional? Continuar a contar histórias. E escrever muito. A escrita é a linguagem e a aplicação do verbo na qual me sinto mais completa. A minha carreira profissional tem de passar obrigatoriamente pelo prazer. Quando não usufruir do que faço, mudo de emprego, de ofício.
A publicação de diversas notícias relacionadas com o processo «Face Oculta» por parte do semanário «Sol» levou o Ministério Público a acusar de violação de segredo de justiça quatro jornalistas, um subdirector e a advogada da publicação. «Os jornalistas Luís Rosa, Ana Paula Azevedo, Felícia Cabrita e Graça Rosendo, bem como o subdirector Vítor Rainho e Fátima Esteves, advogada do SOL, foram formalmente acusados pelo Ministério Público (MP) de violação do segredo de justiça», lê-se na edição electrónica do «Sol». A publicação refere que estão em causa «mais de duas dezenas de artigos», que envolvem «dirigentes do Partido Socialista e empresários, como Armando Vara, Rui Pedro Soares, Paulo Penedos e Manuel Godinho, entre outros». O «Sol» salienta que o procurador da Comarca do Baixo Vouga responsável em Aveiro pela investigação do processo «Face Oculta», João Marques Vidal, «é a única testemunha arrolada pelo MP».